Bijagós
- Paraíso Singular-
por Fernando Seara
Advogado e Professor Universitário
Landerset Simões chamou, em 1935, à Guiné a "Babel Negra". E Orlando Ribeiro classificou-a como "uma encruzilhada de civilizações".Mas a Guiné Bissau, e principalmente as suas fronteiras, são um dos exemplos de conflitos europeus em que Portugal "lutou" contra Inglaterra e a França. Contra duas das principais potências europeias. Ontem, como hoje. Uma das questões foi a "questão Bolama" que se arrastou durante um quarto de século com a Inglaterra e que acabou por ser resolvida, em 1870, pela arbitragem do Presidente dos Estados Unidos da América, Ulisses Grant! Que escreve no dia 1 de Outubro desse ano que "se acham provados e reconhecidos os direitos do Governo de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal sobre a ilha de Bolama, na costa ocidental de África, e sobre uma porção de território, fronteiro à dita ilha, na terra firme"! E também as negociações diplomáticas com a França, ao longo de duas décadas, e que tiveram o seu desfecho com uma convenção franco portuguesa de 1886, convenção para "a delimitação das possessões portuguesas e francesas na África Ocidental". E ali na Guiné Bissau cada um fala o seu crioulo, constrói, agrupa e organiza o espaço à sua roda de maneira diferente, agrega- se a partir do português. Mas com o francês, também em razão da moeda comum que reúne os países vizinhos e próximos, o CFA, a ganhar relevo e "terreno"! Foi até lá que, com a simpatia de sempre e a ousadia empresarial que importa reconhecer ao fundador da euroAtlantic airways, Tomaz Metello, segura e simpaticamente nos transportou. Diria que nos levou, embalando-nos. Numa viagem em que, partidos da ponta ocidental da Europa nos faz poisar em plena África, num aeroporto que junta a alegria das gentes e é o local de encontro de homens e mulheres e das suas múltiplas e necessárias mercadorias. Ali mais do que a pista e a gare de chegada é o instante em que chega a televisão bem empacotada e o medicamento requisitado, a graça e o sorriso, a amiga e a prima, o abraço e o beijo. Esta é a Guiné Bissau, e a sua porta de entrada, que fica na margem de outras Guinés. Que falam maioritariamente francês e que também falam castelhano se bem que, neste caso, façam parte da Comunidade Países de Língua Portuguesa, como a Guiné Equatorial. Mas no meu regresso a Bissau - eu que participara há largos anos no primeiro processo de legislação desportiva daquele Estado - recuperei a Guiné maior: aquela que fica dentro de nós após uma estadia maravilhosa, depois de diálogos vividos e sentidos - como os diariamente travados com o Herculano João Barbosa!- Depois de penetrarmos - eu e o Joaquim, a Isabel e a Ana-numa tabanca em plena manhã de dia de ano novo, depois de sentirmos o olhar do artesãos na configuração das suas belas e originais peças, depois de pressentirmos as suas preces e respeitarmos as suas crenças, depois de percebermos, uma vez mais, as cerca de trinta e nove etnias que se agregam neste Estado africano dito de língua portuguesa. E agarramos a nossa extraordinária aventura de férias e juntamo-la a essa espantosa aventura em que paisagens singulares, ilhas de sonho, homens e mulheres afáveis, palmares únicos, ostras deliciosas, milhares de aves em voos livres e rasantes e paisagens que deslumbram desde ao nascer ao por do sol nos fazem mais ricos. Mesmo mais ricos! E fazem desta viagem, destes momentos com instantes deslumbrantes, mais uma intensa e imensa descoberta. Já que viajar faz parte da essência da vida. E como se aprende com um provérbio bem antigo "a vida não se mede pelo número de vezes que respiramos mas sim pelos lugares e instantes que nos perturbam a respiração". Ali em Bijagós, arquipélago de ilhas vividas e sentidas, com as suas cerca de oitenta ilhas, com o poder informal radicado nas matriarcas e o formal no régulo, habitadas umas e muitas outras desertas, agarramos a virgindade dos palmares e a ourela dourada das praias marcando a descontinuidade entre as ondulações soberbas da mataria brava e as ondulações indolentes do Oceano - tudo tão vincado, saliente que encanta e envaidece. E que visto, bem visto, nos fará regressar. Para ver e rever. Para sentir e, sempre, pressentir. E abraçar. E falar em, português. Mesmo com o toque do crioulo e em que o francês já mais do que se arranha. Regressaremos para comprar a madeira esculpida dos Bijagós, os panos dos Manjacos - sempre com "boa despensa" - as espadas e os punhais dos Mandingas e dos Fulas. Mas também o olhar penetrante dos Balantas e a singularidade dos Papéis, entre tantas e tantas etnias que fazem esta "Babel negra". E acreditem que visitando esta "encruzilhada de civilizações" perceberão que o Homem - e também a Mulher - ultrapassa sempre a literatura. Acreditem que Óscar Wilde se enganou quando disse que a Vida copiava a literatura.... A vida, a nossa vida, tem estes momentos únicos. Na Ponta Anchaca, um eco resort que nos encanta e nos embala, em plena Ilha de Rubane, em frente à Ilha de Bubaque e sonhando com o regresso às Ilhas de João Vieira, Cavalos e do Meio, sentimos que o "paraíso existe"... a quatro horas de Lisboa. Onde acrescento a simpatia contagia e a biodiversidade encanta. A cada instante a natureza nos abraça e entrelaça e nos seduz e reluz. Ali, entre o peixe pescado e logo o mesmo grelhado, entre a ostra tirada e logo a ostra degustada, entre a ave que pesca e a que pesca que nos atrai, entre o Herculano que sorri e o Francisco que nos cativa, passámos dias de sonho. Noites únicas. Momentos deliciosos. Instantes maravilhosos. E acreditem como Óscar Wilde que estas palavras são bem escassas para o que podem encontrar, e desfrutar, naquele "paraíso". Basta pressentirem que ali as árvores se dobram para beijar a água ... Se dobram mesmo! Singular momento. Instante esplendoroso de uma natureza única. Quadro que a memória nunca pode apagar. E que importa preservar para totalmente desfrutar! E com um falar em crioulo e, lá ao fundo, em português que nos perturba de forma que arrepia!
Verdadeiro paraíso!
Boa viagem!
Boa estadia em Bijagós!